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Posts Tagged ‘geraldine brooks’

Estou nas últimas páginas do livro, mas essa parte foi uma das melhores para mim, o livro todo é incrível. Conta sobre um Hagadá rara do séc XV, e através de um estudo sobre ela, sobre as evidências deixadas pelo tempo e pelas mãos de seus antigos donos, o livro sagrada vai contando sua história e um pouco da dos Judeus.

” Seu corpo subdesenvolvido poderia ser o de uma criança mais nova, mas as expressões que lhe passavam pelo rosto pareciam registrar emoções de uma pessoa muito idosa. Ozren afastou os cabelos castanhos da pequena testa, sentou-se na cama, sussurrou algo em bósnio, e delicadamente endireitou aquelas pequenas mãos rígidas. — Ozren — chamei, em voz baixa. — Você já pensou em obter uma segunda opinião? Eu poderia levar as chapas comigo e… — Não — ele disse, interrompendo-me. — Mas por que não? Os médicos são humanos, eles se enganam. — Eu tinha perdido a conta de quantas vezes minha mãe desconsiderava as opiniões de um colega supostamente renomado: “Aquele ali? Eu não o consultaria nem para tratar uma unha encravada!”. Mas Ozren só balançou os ombros e não me respondeu. — Você tem as imagens de ressonância magnética dele, ou pelos menos tomografia? A imagem por ressonância mostra muito mais, ela… — Cale-se, Hanna, por favor. Eu disse que não. — Engraçado — falei —, não consigo imaginar você acreditando nessas baboseiras, insha’Alláh, mentalidade fatalista. Ele saiu da cama, deu um passo em minha direção, segurou meu rosto entre as mãos e se aproximou tanto de mim, que seus traços de zanga pareciam até fora de foco. — Você — ele disse; e a voz mais parecia um sussurro contido. — Você é que é consumida por baboseiras. Aquela súbita ferocidade me assustou. Eu me afastei. — Você — ele prosseguiu, agarrando meu punho. — Todos vocês, do mundo seguro, com seus air bags, e suas embalagens hermeticamente fechadas e suas dietas livres de gordura. Vocês é que são os supersticiosos. Vocês se convencem de que podem tapear a morte, e se sentem absolutamente ofendidos quando descobrem que não podem. Vocês ficam sentados em seus apartamentos confortáveis e assistem à guerra, e nos vêem sangrando, pela televisão. E pensam: “Que horror!”, e depois se levantam e tomam outra xícara de café expresso. Estremeci quando ele disse aquilo. Era uma descrição corretíssima. Mas ainda não havia acabado. Ele estava tão zangado que chegava até a cuspir. — Coisas ruins acontecem. Algumas coisas muito ruins aconteceram comigo. E eu não sou diferente de mil outros pais nesta cidade cujos filhos sofrem. Eu convivo com isso. Nem toda história tem um final feliz. Cresça Hanna, e aceite isso.”

Livro completamente indicadíssimo!

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